No mar, ele nasceu de novo
Julio Castanho é uma daquelas pessoas que falam sobre a pesca com brilho no olho, especialmente quando reconhecem a conquista que é comprar um barco. Mais do que um instrumento de trabalho, o barco é companhia, é quase um ente querido da família. Porque conquistar um barco é emocionante como ver o nascimento de um filho. É amor e alegria por ter condições melhores de trabalhar e voltar com segurança para casa. É garantia de retornar ao lar e dar um beijo nos filhos e na esposa, e no dia seguinte refazer o caminho no balanço do mar. Ter um barco é um privilégio do qual não podem se orgulhar todos os pescadores da Ilha do Superagui. Vida dura no mar, a vida também é dura em todo o percurso para conseguir o dinheiro para comprar a embarcação, e essa satisfação nem todos têm.
O barco de Julio terá o nome de seus filhos, porque é assim que ele pode homenagear aqueles que tanto ama. Mas garante que não quer esse futuro para os pequenos. Quer dar condições para o estudo, para uma vida longe da dificuldade que é ser pescador. A ele, essa possibilidade nem foi cogitada.
Cresceu na pesca e dali conquistou tudo que tem, mas sai para trabalhar todos os dias com um objetivo bem claro na mente: oferecer para os filhos uma vida com mais garantias. E de sua memória jamais se apagará uma das histórias mais marcantes que poderia contar: o dia que lutou para sobreviver em alto mar.
Filho de peixe, peixinho é
Rosângela Athanasio Pires, mais conhecida na ilha do Superagui por Zica, é filha da dona Rosa do camping. A influência da pesca que passou de mãe para filha não se resume a uma atividade para obtenção de alimento, se torna um ritual carregado de afetividade.
Uma terapia que extrapola também paradigmas sociais: quem disse que lugar de mulher na ilha é dentro de casa cuidando dos filhos? Pode ser também, mas para Zica, o mar faz parte de sua rotina. “Um dia sem pescar é um dia triste”.
Ela e outras mulheres pescadoras criticam, intimamente, a distribuição de papéis dentro da ilha e também na sociedade. Pesca demanda força e paciência. De vez em quando exige também preparo para nadar para longe de um buraco ou cuidar de ferimentos de águas-vivas. Quanto a sexo? Não há distinção. Zica faz o que a faz feliz, por meio do mar – além de pôr comida na mesa e complementar a renda da família – ela se encontra e se permite.
Na cantoria e em pensamentos positivos enquanto pesca, ela cria o tom de quem vive muito além do mar e constrói memórias que merecem ser conhecidas.